Quando uma dessas subunidades se insensibilizam após a recepção de uma dose de nicotina, outras entram no seu reconhecimento mantendo a continuidade do processo. Para este, propôs-se a denominação de sistemas de recompensas. O mecanismo de liberação da dopamina é complexo. Há evidência que, além do nucleus acumbens, interferem no processo o putamen, o nigro-estriado e a área ventral tegmentar, todos com receptores nicotínicos. O sistema acetilcolina, colinérgico, nAChRs, possui também relevante participação na síndrome de abstinência da nicotina e no processamento da nicotino-dependência. A dopamina também tem subunidades, D1, D2, D3, D4, D5. Todas produzem estado prazeiroso no fumante. Genes com grande polimorfismo estão envolvidos nos receptores e no transporte de neuro-transmissores. Às subunidades da dopamina correspondem os genes DRD1, DRD2, DRD3, DRD4 e DRD5. O gene DRD2 produz grande compulsão de fumar. A dopamina tem ainda mais um gene transportador, SLC6A3. Os genes SHT e SLC6A4 são, respectivamente, receptores e transportadores de serotonina. O gene tirosina hidroxilase (TH) é importante por estar envolvido na síntese de vários neurotransmissores. A metil-feniltetrahidropiridina (MFTP) metaboliza e decompõe a dopamina e reduz sua atividade. A integridade da MFTP é mantida pela enzima monoamino-oxidase B (MAO), que por sua vez tem sua concentração diminuída nos fumantes, por efeito da nicotina. Em síntese, a nicotina é responsável pela liberação de dopamina, agindo por duas vias: de um lado, ativa os centros dopaminérgicos aumentando a quantidade de dopamina; por outro, diminui a concentração de MAO no cérebro decorrendo a decomposição da MFTP. Esta perde sua atividade. Em conseqüência, a dopamina permanece íntegra e sua liberação é maior. Marcando MAO com radiotraçadores, a tomografia com emissão de positrons revela a ausência da referida enzima no cérebro dos fumantes. Gene com cinco polimorfismos é responsável pela produção e síntese de MAO que mantém a integridade de MFPT, variando em consequência a síntese e liberação de dopamina. Um dos tratamentos para cessar de fumar pesquisou o efeito da moclobemida, que tem a propriedade de restaurar a monoaminoxidase B, bloqueando assim a liberação da dopamina. Os resultados foram relativamente satisfatórios, impondo-se a ampliação dos estudos para apurar o real valor desse tipo de terapêutica. As citadas diferenças de unidades receptoras dopamínicas e colinérgicas estão implicadas nas variações dos efeitos da nicotina no ser humano e orientam os alvos da ação de agonistas nicotínicos utilizados nos tratamentos para deixar de fumar. Uma das variações de importância é que a liberação colinérgica é suprimida com a ação de altas doses de nicotina. Há evidência que a nicotina favorece sinapses de neurônios do hipocampo, com repercussões na cognição e na memória pela liberação colinérgica. A interferência nas sinapses pode estar associada, por outro lado, à diminuição da liberação colinérgica na doença de Alzheimer. Conseqüência significativa é o fato constatado nos animais e nos humanos, que pela ação receptiva da nicotina, operam-se modificações no cérebro dos tabagistas, como, por exemplo, o aumento do número e da densidade dos receptores nicotínicos em comparação com os não-fumantes, nas mesmas faixas-etárias e do mesmo sexo. Esse aumento de receptores nicotínicos evidenciou-se em animais tratados com nicotina e, no cérebro, em autópsias de tabagistas. O aumento da densidade dos receptores nicotínicos não tem correspondência paralela com a sensibilidade à nicotina. Após a ligação desta com aqueles se estabelece fase de insensibilidade. Entre os cigarros fumados, cai o nível de nicotina no cérebro. O restabelecimento da sensibilidade, com o tempo, passa a exigir doses mais elevadas de nicotina. Essa tolerância explica a taquifilaxia que ocorre no tabagismo. A taquifilaxia é a introdução de pequena dose de tóxico que protege (imuniza) contra novas doses administradas repetidamente a intervalos curtos. É o que sucede com a nicotina e receptores nicotínicos cerebrais. Uma das hipóteses para a taquifilaxia no tabagismo é a dessensibilização dos receptores nicotínicos colinérgicos, envolvendo modificações resultantes do aumento de sua capacidade de ligar-se com agonistas, decrescendo a propriedade de transporte de íons. Estudos recentes sugerem que, não obstante o aumento da densidade dos receptores nicotínicos, eles se insensibilizam ou inativam, pela administração crônica de nicotina, sendo recrutados novos receptores para compensar a referida insensibilização. Estabelece-se nesse intervalo, fase de tolerância, que é dose-dependente, sendo esta variável nos indivíduos, influindo fatores genéticos nessas diferenças. Em suma, a repetição da exposição à nicotina sobre o cérebro produz uma neuroadaptação. Infere-se que o processo de fumar é muito complexo e a peculiaridade singular, é que o tabagista manipula as alterações e manifestações neurocerebrais, regulando o nível de doses de nicotina solicitado pelo organismo, variando a profundidade, o tempo e o número de tragadas. O tabagista manipula também o aporte da nicotina ao sistema nervoso em relação às diferenças, eventualmente, dos tipos de cigarros, fortes, fracos, com ou sem filtros e outras características imponderáveis. A monoaminoxidase B (MAO), marcada com radio-traçadores, está presente nos cérebros de não-fumantes e ausente nos fumantes, propiciando liberação de dopamina, produzindo euforia, estado prazeroso.
Fonte: Nicotina - Droga Universal. Dr. Rosemberg, José.