BLOG CRIADO PARA O ESTUDO E PESQUISA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA E DROGAS DE ABUSO, COM UMA VISÃO NEUROCIENTÍFICA, TENDO COMO OBJETIVO A PREVENÇÃO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, ATRAVÉS DE CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO SOBRE AS SUBSTÂNCIAS DE ABUSO, VISANDO ESCLARECER OS PROFISSIONAIS DA ÁREA DA SAÚDE, CIENTISTAS, ESTUDANTES OU PESSOAS INTERESSADAS NA ÁREA DAS CIÊNCIAS BIOMÉDICAS E DA SAÚDE, COM PARTICULAR INTERESSE EM NEUROCIÊNCIAS E DEPENDÊNCIA QUÍMICA.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

NEUROFARMACOLOGIA DA NICOTINA


MECANISMOS DE AÇÃO DA NICOTINA NO CÉREBRO HUMANO

Fumar é a única forma de administrar uma droga como a nicotina, que atravessando os pulmões invade o sistema arterial sem passar pela circulação venosa. Após a tragada, atinge o cérebro entre 7 e 19 segundos, geralmente. Os tabagistas que fumam 20 cigarros (1 maço) por dia, tragando em média 10 vezes por cigarro, realizam 200 impactos de nicotina no cérebro, totalizando 73 mil por ano. Os fumantes de apenas 1 cigarro diariamente recebem 3.650 impactos de nicotina nos centros nervosos em um ano. Com nenhuma outra droga ocorre ação nociva tão massificante. Comprova-se a dispersão de nicotina por radiotraçadores de emissão de positrons, sobre o cérebro e periferia do sistema nervoso . No cérebro propaga-se a todas as áreas, centros, até o córtex. A nicotina age sobre o sistema mesolimbico-dopaminico. São atingidos inclusive os neurônios dopaminérgicos do nigroestriado, centros como tálamo, hipotálamo, hipocampo, nucleoacumbens, córtex e tronco cerebral. O núcleo acumbens não tem estrutura uniforme. O núcleo central é envolvido por uma camada celular morfologicamente diferente, com repostas distintas à nicotina. Há consenso de que a nicotina exerce seus impactos sobre o cérebro interagindo com a gama de receptores colinérgicos expressados nas membranas de muitos neurônios. Os receptores nicotínicos foram demonstrados no cérebro de humanos e animais mamíferos, nas ligações neurológicas, por meio de hibridização “in situ” e técnicas imunohistoquímicas. A grande heterogeneidade dos receptores cerebrais nicotínicos foi identificada por meio da biologia molecular. Os receptores nicotínicos acetilcolinicos – nAChRs – constituem larga família e estão distribuídos no cérebro, nas regiões periféricas e centrais, ligando canais de estruturas e propriedades diversas. A nicotina interage com todo o sistema nAChRs, que também tem interligações com diversos sistemas de elaboração de neurotransmissores, principalmente como dopamínico e os de elaboração de neuropeptides e serotonina. A nicotina também atua sobre o sistema simpático e parassimpático, sistemas endocrínicos e neuroendocrínicos e gânglios autonômicos, adrenal (medula e córtex), e liga-se a receptores pré-sinápticos, neurônios periféricos e sinapses neurovasculares. Os diversos centros, receptores específicos da nicotina, liberam hormônios psicoativos, neurotransmissores e neuroreguladores com atividades farmacológicas várias: dopamina, acetilcolina, epinefrina, norepinefrina, serotonina, beta-endorfina, vasopressina, hormônios adrenocorticotrópicos (ACTH). Os mais importantes são de intensa ação farmacodinâmica e, inclusive, os mais estudados são a dopamina e acetilcolina. A ação da nicotina sobre o sistema mesolímbico, os neurônios dopaminérgicos do nigroestriado e o nucleus acumbens desencadeia uma das mais intensas respostas neurogênicas. Estudos em ratos evidenciam que o sistema mesolímbico dopaminérgico é o centro do mecanismo da resposta à nicotina. Nos referidos centros há grande liberação de dopamina que produz estado euforizante e prazeroso, constituindo um dos principais componentes do processo da dependência. As respostas dopamínicas são de intensidades variáveis porque existem diversas subunidades de neurônios mesolímbicos estando já caracterizados – a³, a4, a5, b². Para a resposta dopamínica, também é muito relevante a ação nicotínica sobre os receptores de acetilcolina. Estes têm subunidades de neurônios receptores colinérgicos, entre eles a², a9, B², B4, os quais localizam-se em áreas distintas cerebrais, inclusive no nucleus acumbens e no hipocampo, com sensibilidade variável a agonistas nicotínicos, resultando ações farmacológicas diferentes.

Quando uma dessas subunidades se insensibilizam após a recepção de uma dose de nicotina, outras entram no seu reconhecimento mantendo a continuidade do processo. Para este, propôs-se a denominação de sistemas de recompensas. O mecanismo de liberação da dopamina é complexo. Há evidência que, além do nucleus acumbens, interferem no processo o putamen, o nigro-estriado e a área ventral tegmentar, todos com receptores nicotínicos. O sistema acetilcolina, colinérgico, nAChRs, possui também relevante participação na síndrome de abstinência da nicotina e no processamento da nicotino-dependência. A dopamina também tem subunidades, D1, D2, D3, D4, D5. Todas produzem estado prazeiroso no fumante. Genes com grande polimorfismo estão envolvidos nos receptores e no transporte de neuro-transmissores. Às subunidades da dopamina correspondem os genes DRD1, DRD2, DRD3, DRD4 e DRD5. O gene DRD2 produz grande compulsão de fumar. A dopamina tem ainda mais um gene transportador, SLC6A3. Os genes SHT e SLC6A4 são, respectivamente, receptores e transportadores de serotonina. O gene tirosina hidroxilase (TH) é importante por estar envolvido na síntese de vários neurotransmissores. A metil-feniltetrahidropiridina (MFTP) metaboliza e decompõe a dopamina e reduz sua atividade. A integridade da MFTP é mantida pela enzima monoamino-oxidase B (MAO), que por sua vez tem sua concentração diminuída nos fumantes, por efeito da nicotina. Em síntese, a nicotina é responsável pela liberação de dopamina, agindo por duas vias: de um lado, ativa os centros dopaminérgicos aumentando a quantidade de dopamina; por outro, diminui a concentração de MAO no cérebro decorrendo a decomposição da MFTP. Esta perde sua atividade. Em conseqüência, a dopamina permanece íntegra e sua liberação é maior. Marcando MAO com radiotraçadores, a tomografia com emissão de positrons revela a ausência da referida enzima no cérebro dos fumantes. Gene com cinco polimorfismos é responsável pela produção e síntese de MAO que mantém a integridade de MFPT, variando em consequência a síntese e liberação de dopamina. Um dos tratamentos para cessar de fumar pesquisou o efeito da moclobemida, que tem a propriedade de restaurar a monoaminoxidase B, bloqueando assim a liberação da dopamina. Os resultados foram relativamente satisfatórios, impondo-se a ampliação dos estudos para apurar o real valor desse tipo de terapêutica. As citadas diferenças de unidades receptoras dopamínicas e colinérgicas estão implicadas nas variações dos efeitos da nicotina no ser humano e orientam os alvos da ação de agonistas nicotínicos utilizados nos tratamentos para deixar de fumar. Uma das variações de importância é que a liberação colinérgica é suprimida com a ação de altas doses de nicotina. Há evidência que a nicotina favorece sinapses de neurônios do hipocampo, com repercussões na cognição e na memória pela liberação colinérgica. A interferência nas sinapses pode estar associada, por outro lado, à diminuição da liberação colinérgica na doença de Alzheimer. Conseqüência significativa é o fato constatado nos animais e nos humanos, que pela ação receptiva da nicotina, operam-se modificações no cérebro dos tabagistas, como, por exemplo, o aumento do número e da densidade dos receptores nicotínicos em comparação com os não-fumantes, nas mesmas faixas-etárias e do mesmo sexo. Esse aumento de receptores nicotínicos evidenciou-se em animais tratados com nicotina e, no cérebro, em autópsias de tabagistas. O aumento da densidade dos receptores nicotínicos não tem correspondência paralela com a sensibilidade à nicotina. Após a ligação desta com aqueles se estabelece fase de insensibilidade. Entre os cigarros fumados, cai o nível de nicotina no cérebro. O restabelecimento da sensibilidade, com o tempo, passa a exigir doses mais elevadas de nicotina. Essa tolerância explica a taquifilaxia que ocorre no tabagismo. A taquifilaxia é a introdução de pequena dose de tóxico que protege (imuniza) contra novas doses administradas repetidamente a intervalos curtos. É o que sucede com a nicotina e receptores nicotínicos cerebrais. Uma das hipóteses para a taquifilaxia no tabagismo é a dessensibilização dos receptores nicotínicos colinérgicos, envolvendo modificações resultantes do aumento de sua capacidade de ligar-se com agonistas, decrescendo a propriedade de transporte de íons. Estudos recentes sugerem que, não obstante o aumento da densidade dos receptores nicotínicos, eles se insensibilizam ou inativam, pela administração crônica de nicotina, sendo recrutados novos receptores para compensar a referida insensibilização. Estabelece-se nesse intervalo, fase de tolerância, que é dose-dependente, sendo esta variável nos indivíduos, influindo fatores genéticos nessas diferenças. Em suma, a repetição da exposição à nicotina sobre o cérebro produz uma neuroadaptação. Infere-se que o processo de fumar é muito complexo e a peculiaridade singular, é que o tabagista manipula as alterações e manifestações neurocerebrais, regulando o nível de doses de nicotina solicitado pelo organismo, variando a profundidade, o tempo e o número de tragadas. O tabagista manipula também o aporte da nicotina ao sistema nervoso em relação às diferenças, eventualmente, dos tipos de cigarros, fortes, fracos, com ou sem filtros e outras características imponderáveis. A monoaminoxidase B (MAO), marcada com radio-traçadores, está presente nos cérebros de não-fumantes e ausente nos fumantes, propiciando liberação de dopamina, produzindo euforia, estado prazeroso.


Fonte: Nicotina - Droga Universal. Dr. Rosemberg, José.


Visite Este Site
Marcos Fleury

Informações Acadêmicas e Pessoais

Minha foto
Rio de Janeiro, RJ, Brazil